AlleauAAT
Ninguém pode ter a pretensão de, em algumas centenas de páginas, proceder a um exame crítico da química, da física, da biologia, da mineralogia e da cosmologia contemporâneas. Mesmo limitando-se ao levantamento dos trabalhos e obras publicadas em todo o mundo nos últimos cinquenta anos, essa empreitada já excederia as forças e os meios de investigação da maioria dos pesquisadores.
Se, no entanto, admitíssemos a possibilidade de reunir essa documentação teórica, não teríamos o direito de duvidar da exatidão das avaliações e da pertinência dos julgamentos de um autor que não tivesse praticado como especialista nenhuma das disciplinas que se permitisse abordar?
Por outro lado, quando se trata de conhecimentos antigos relativos ao mundo e à natureza, sobre os quais a reflexão humana se exerceu não por cinquenta anos, mas por vários milênios, qualquer um parece se considerar autorizado a fazer um balanço sumário cuja importância livresca varia entre uma brochura em oitavo e quatro ou cinco volumes em quarto.
Como não se espantar com essa informalidade quando se constatam as dificuldades de acesso, a extensão e a área de dispersão de uma literatura considerável que inclui não só os manuscritos das principais bibliotecas públicas europeias, os de coleções privadas frequentemente fechadas a qualquer investigação, mas também impressos redigidos na maioria das línguas ocidentais e, finalmente, uma quantidade de documentos, a maioria dos quais nunca foram sequer catalogados, que compõem no Oriente e no Extremo Oriente um conjunto de importância tão óbvia para que se afete sistematicamente ignorá-lo.
No que diz respeito apenas à alquimia, um catálogo elaborado no século XVIII estimava em aproximadamente seis mil, segundo Borel e Lenglet-Dufresnoy, o número de obras publicadas ou aparecidas na França e conhecidas na época [[Um catálogo contemporâneo, o da coleção Ferguson, conta com mais de 20.000 títulos. (Cf. Índice bibliográfico).]]. Concede-se que esse número já se opõe, de forma decisiva, às pretensões da maioria dos críticos que, nos melhores casos, parecem conhecer apenas uma centena de tratados. Na verdade, ninguém pode se gabar de julgar a situação histórica e o significado reais de um conjunto de teorias e práticas a partir de dados eruditos tão superficiais. E se, pela própria natureza dessa disciplina, esses dados se mostram incapazes de dar conta, por si sós, do essencial de um saber, as avaliações sobre a validade deste só podem ser gravemente insuficientes.
Se adicionarmos, de fato, às dificuldades externas de acesso, a obscuridade dos textos, as lacunas e as falsificações de muitos deles, a complexidade do simbolismo utilizado, sem sequer insistir no papel determinante da tradição oral quanto ao essencial das práticas descritas, não parece muito improvável que os problemas colocados pela existência, assim como pelo sentido exato desse saber antigo, estejam atualmente resolvidos e possam sê-lo em um futuro próximo? Qual historiador da ciência, que, no entanto, não hesita em classificar a alquimia em relação à química e à física atuais ou a interpretá-la historicamente de forma definitiva, seria capaz de explicar palavra por palavra uma única página de um único tratado alquímico?
Além disso, com que direito separar a alquimia do conjunto das ciências tradicionais? A mecânica geral abstrata, se ignorássemos a física moderna e o pensamento científico contemporâneo, não pareceria o efeito de um simples delírio de interpretação? Só se pode distorcer totalmente qualquer conhecimento se ele for estudado independentemente de seu meio gerador.
Ora, esse meio não é simplesmente descritível pela história das ideias, das crenças, das artes, das técnicas de uma civilização, nem compreensível pela sucessão ou pelo encadeamento dos eventos de uma época. Esses produtos constituem partes de um conjunto mais vasto, refletido pelas instituições jurídicas e políticas, elementos de uma estrutura econômica e biológica complexa que está ligada a ritmos de intercâmbios espirituais e materiais, entre indivíduos, povos e continentes. Ninguém pode contestar a influência desses ritmos na vida das sociedades ou no desenvolvimento do conhecimento, mas quem ousaria afirmar que eles são claramente perceptíveis para nós quando se trata de um passado distante, de coletividades desaparecidas e de civilizações mortas?
É, portanto, uma ilusão das mais funestas para o rigor dos raciocínios relativos à ciência antiga situar a ciência contemporânea em relação à anterior numa perspectiva de filiação simples e considerar que os conhecimentos atuais representam os resultados de uma depuração constantemente progressiva de noções mágicas primitivas.
A história do espírito humano, assim como a das sociedades, não se desenrola de forma linear. Ela nos mostra, ao contrário, muitas descontinuidades, alternâncias de regressão e evolução, crises e estados de desequilíbrio que podem não ser compensados, provocando assim colapsos consideráveis. As pesquisas e explicações das causas das decadências começam somente após os cataclismos. Permanece o fato de que esses engolfamentos testemunham a fragilidade das conquistas da inteligência, assim como a precariedade das instituições.
Certamente, essas mutações aparentemente súbitas são preparadas de forma insensível pela acumulação de contradições e pontos de ruptura entre estruturas antigas e novas necessidades de adaptação. Elas, no entanto, provocam transformações irreversíveis, bem como uma degradação de energias anteriormente eficazes. No plano das coletividades, o esquecimento desempenha um papel tão decisivo quanto no plano da individualidade. Entre o nascimento do cristianismo e o início da Idade Média estendem-se, por exemplo, séculos crepusculares durante os quais, no entanto, se escoou mais da metade da história conhecida do Ocidente cristão.
Nesse cone de trevas que se desenvolve irresistivelmente, assim que, partindo da ponta das certezas atuais, nos esforçamos para atingir a base das verdades antigas, nem a ciência, nem a religião, nem a filosofia, nem a arte, parecem ter se deslocado em linha reta, mas parecem ter seguido espirais múltiplas, a maioria das quais se interrompem ou param, se aproximam ou se afastam, se confundem ou se separam, como se o gênio humano, imitando a dialética da natureza, procedesse por aproximação, por tentativas, por ensaios reiterados, segundo um jogo de assimilação e eliminação sutil demais para que tenhamos o direito de simplificá-lo arbitrariamente, reduzindo-o às leis de um mecanismo estranho à complexidade e à profundidade da realidade viva.
Quando uma modificação importante das ideias, das crenças, das técnicas ou das instituições é realizada, subsistem as escórias produzidas por essa transformação. Rejeitadas para a sombra, estas continuam a manter uma atividade residual e a reagir sobre as novas formas até metamorfoseá-las por sua vez ou até provocar desvios sensíveis dos valores iniciais. Os historiadores das religiões provaram a influência exercida sobre o desenvolvimento do cristianismo pelos mistérios pagãos, assim como pelos sistemas filosóficos da antiguidade. Da mesma forma, a formação das ciências modernas não poderia ser compreendida independentemente de seu substrato religioso inicial que, no final do século passado, ainda impregnava profundamente o espírito científico a ponto de essa época se confiar a um racionalismo “dogmático”, do qual alguns espíritos, ainda hoje, parecem nem mesmo suspeitar que ele pertence agora ao passado. De fato, o esforço da física não-newtoniana para abrir novos domínios lógicos ao pensamento provocou não apenas uma extraordinária ampliação do universo tal como poderia ser concebido no início do século XX, mas também uma mudança considerável do próprio racionalismo.
No século XIX, o pensamento científico estava próximo de uma atitude eleática no sentido de que um racionalismo fechado, recolhido em torno de seus dogmas, afetava imitar a transcendência de uma fé à qual havia finalmente se substituído. No século XX, a oscilação perpétua entre o polo eleático e o polo heraclítico que marcou toda a história do pensamento ocidental parece ter afetado diretamente as teorias científicas e derrubado as posições precedentes, provocando o desenvolvimento de um racionalismo aberto, constantemente preocupado em manter uma flexibilidade metodológica adaptada à escala e à extrema fugacidade dos fenômenos observados, em particular no domínio da microfísica.
É preciso admitir que esse novo racionalismo, por sua natureza dialética essencial, está muito mais próximo de uma lógica simbólica do que o antigo e, a esse respeito, certos aspectos da física contemporânea oferecem relações incontestáveis com os métodos da antiga alquimia, embora essa analogia se deva mais a alguma semelhança dos meios lógicos do que a uma comunidade de natureza. Os problemas levantados pela transmutação da matéria foram resolvidos pela ciência não apenas graças ao poder dos meios técnicos empregados, mas também a partir do momento em que a ferramenta lógica de que ela dispunha antigamente se transformou, pois em todos os planos do conhecimento humano a mutação lógica desempenha um papel fundamental e exerce uma influência determinante na observação dos fenômenos. Assim, na medida em que uma disciplina tradicional como a alquimia substituiu deliberadamente o construído pelo dado, o símbolo pelo objeto, complicando a experiência e afastando a ilusão de uma realidade imutável e intangível revelada diretamente ao “bom senso”, pode-se considerar que ela precedeu em vários séculos os aspectos mais revolucionários da lógica científica moderna, ao mesmo tempo em que proclamava a unidade da matéria e a existência de uma possibilidade de transmutação de corpos simples, verdades das quais, há cinquenta anos, quase toda a Universidade ainda duvidava. Ora, é muito cômodo alegar que os alquimistas propuseram teorias justas, mas que, por outro lado, não obtiveram nenhum resultado concreto. Não se compreenderia por qual causa misteriosa uma teoria exata nunca levaria a um resultado positivo, enquanto uma teoria falsa pode muito bem provocar experimentalmente a produção de um fenômeno inexplicável, mas real. Além disso, a menos que se duvide de todos os testemunhos históricos, é inegável que a transmutação de metais em ouro foi realizada pelo menos uma vez, a julgar pela quantidade de documentos relativos a essa experiência. Esse único caso já seria suficiente para levantar o seguinte problema: como, sem recorrer aos meios energéticos atualmente conhecidos, pode-se provocar a transmutação da matéria?
Este problema é essencial porque permite, por sua própria enunciação, mostrar quão inútil é considerar que a técnica moderna seja, por natureza, exclusiva de qualquer outra técnica possível. Sem dúvida, seria absurdo pensar que os alquimistas tivessem conhecido a estrutura atômica da matéria como a descobrimos, mas nada nos autoriza a estimar que tivessem ignorado o manuseio de modalidades de energia que talvez nos escapem nas condições habituais da experiência.
Um fenômeno que não fosse nem matematicamente previsível, nem indefinidamente repetível nas mesmas circunstâncias por qualquer experimentador, não existiria como fenômeno cientificamente observável. No entanto, não temos o direito de considerá-lo inexistente como fenômeno. Uma disciplina que tomasse como objeto o estudo de tais fenômenos não teria valor científico concebível e, no entanto, seria um saber verdadeiro no sentido de que disporia de uma lógica, de métodos e de meios de experimentação originais. Da mesma forma, na medida em que uma criação artística não é nem matematicamente previsível, nem indefinidamente repetível por qualquer experimentador nas mesmas circunstâncias, não se poderia considerá-la equivalente a um fenômeno cientificamente observável, embora possa ser objeto de um saber preciso que é a estética.
Parece, assim, que a alquimia corresponde menos a uma ciência física do que a um conhecimento estético da matéria e que deve ser situada a meio caminho entre a poesia e a matemática, entre o mundo do símbolo e o do número. Embora positiva, experimental e concreta, a alquimia extrai seus princípios da “metafísica tradicional” da qual representa uma das aplicações ao domínio “formal”, assim como às relações da “forma” e da “luz” [[Colocamos entre aspas todos os termos que são usados em acepções diferentes dos sentidos filosófico e científico habituais. A elucidação desses termos sendo o objeto desta obra, entender-se-á que não podemos defini-los em poucas palavras.]].
É, portanto, um grave erro explicar a alquimia a partir dos dados históricos do desenvolvimento da química. Se muitos alquimistas foram ilustres químicos e se, deste ponto de vista, por exemplo, um autor com Berthelot pôde estabelecer uma história exata da química dos Antigos e da Idade Média, esses fatos em nada contribuem para a história da alquimia, pois é evidente que tal história só poderia ser legitimamente fundada no conhecimento exato do significado dos símbolos utilizados pelos alquimistas, conhecimento que parece estranho a Berthelot e a muitos outros comentaristas eruditos [[Os símbolos estudados por M. Berthelot pertencem, de fato, à história da química e da metalurgia. Desse ponto de vista, as teses desse ilustre cientista podem ser consideradas irrefutáveis. Mas, no que diz respeito aos símbolos próprios da Alquimia, a questão não foi corretamente posta, como, aliás, demonstraremos ao longo deste ensaio.]].
Esquece-se demais que na antiguidade e na Idade Média a experiência religiosa está constantemente ligada à experiência científica e, por não se lembrar desse fato, encontram-se, no exame dos textos, incessantes contradições. Seja a física grega, a cabala hebraica, a astrologia caldaica, a ciência extremo-oriental das mutações ou a alquimia ocidental, todas essas técnicas, todos esses sistemas repousam sobre um fato universal e comum: a iniciação aos mistérios.
Ora, não podendo essa iniciação ser alcançada apenas pelos esforços do raciocínio e estando esses mistérios, em nossa época, esquecidos, desconhecidos ou perdidos, a crítica contemporânea se vê reduzida à impotência, enquanto seus trabalhos não podem dar conta senão do aspecto anedótico e superficial desses conhecimentos sagrados.
Não basta, aliás, ler os tratados dos alquimistas para compreender toda a importância dessa “qualificação” iniciática? Nicolas Flamel, Artéphius, Le Trévisan, expressam-se muito claramente a esse respeito:
“Pois se eles querem entender completamente essas figuras, ignorando o primeiro Agente, eles se enganarão sem dúvida e nunca entenderão nada. Que ninguém, pois, me culpe se não me entende facilmente, pois ele será mais culpável do que eu, tanto mais que não sendo iniciado nessas sagradas e secretas interpretações do primeiro Agente (que é a chave que abre as portas de todas as ciências), ele, no entanto, quer entender as concepções mais sutis dos filósofos que foram muito invejosos e que só as escreveram para aqueles que já conhecem esses princípios, os quais nunca se encontram em nenhum livro, porque eles os deixam a Deus que os revela a quem Lhe agrada ou os faz ensinar oralmente por um mestre por tradição cabalística, o que acontece muito raramente.” [[“O livro de Nicolas Flamel, contendo a explicação das figuras hieroglíficas que ele mandou colocar no cemitério dos Santos Inocentes em Paris”, p. 15,. Bibliothèque des Philosophes Chimiques, t. II (1741).]]
“E, de fato, não se sabe que a nossa Arte é uma arte cabalística? Quero dizer, que só se revela de boca e que está cheia de mistérios; e tu, pobre idiota que és, serias tão simples a ponto de acreditar que ensinássemos abertamente e claramente o maior e mais importante de todos os segredos e de tomar as nossas palavras ao pé da letra? Asseguro-te de boa fé (pois não sou invejoso como os outros filósofos), asseguro-te, digo, que aquele que quiser explicar o que os alquimistas escreveram segundo o sentido ordinário e literal das palavras, encontrar-se-á engajado nos desvios de um labirinto de onde jamais se livrará; porque não terá o fio de Ariadne para se conduzir e para sair; e qualquer despesa que faça para trabalhar, será todo o dinheiro perdido.” [[“O livro de Artéphius, antigo filósofo, que trata da Arte secreta ou da Pedra filosofal”, p. 33. Obra cit.]]
“E estudei antes de trabalhar e argumentei e passei muitas noites sem dormir. Pois pensava comigo mesmo que por homem não poderia conseguir; portanto, que se eles soubessem, jamais diriam; e, se não soubessem, de que me serviria frequentá-los, e tanto deles depender e gastar tanto tempo e bens, e eu me desesperar.” [[“O livro da Filosofia natural dos metais de Messire Bernard, conde de la Marche Trévisanne”, p. 21. Obra prec. citada.]]
Nessas condições, deve-se estimar que os problemas colocados pela alquimia não têm chance de serem resolvidos, mesmo parcialmente, se não se levar em conta o caráter secreto e sagrado desse saber. No entanto, apesar dos avisos constantes dos próprios alquimistas, os críticos modernos, sejam cientistas, filósofos ou ocultistas, insistem em reduzir o sentido dos tratados de alquimia a sistemas arbitrários de interpretação, enquanto a própria “lógica tradicional” permanece, ao contrário, para regular os processos de substituição dos símbolos entre si, segundo normas iniciaticamente transmitidas, e aplicar rigorosamente esses princípios tanto à elaboração dos textos quanto à sua explicação sistemática.
Para dar um exemplo claro, tomaremos o do jogo de xadrez, do qual conhecemos a simplicidade relativa das regras e dos elementos, bem como a variedade indefinida das combinações. Se supusermos que o conjunto dos tratados acroamáticos da alquimia se apresenta a nós como tantas partidas anotadas em uma linguagem convencional, devemos admitir, primeiro, honestamente, que ignoramos tanto as regras do jogo quanto o código utilizado. Caso contrário, afirmamos que a indicação criptográfica é composta de sinais diretamente compreensíveis por qualquer indivíduo, o que é precisamente a ilusão imediata que um criptograma bem composto deve provocar. Assim, a prudência nos aconselha a não nos deixarmos seduzir pela tentação de um sentido claro e a estudar esses textos como se se tratasse de uma língua desconhecida.
Aparentemente, essas mensagens se dirigem apenas a outros jogadores, a outros alquimistas que, devemos pensar, já possuem, por algum meio diferente da tradição escrita, a “chave” necessária para a compreensão exata dessa linguagem. Essa “chave” pode ser simples, dupla, tripla, não importa, já que nos falta.
O primeiro passo razoável seria, portanto, tentar descobrir um desses jogadores para pedir explicações. Mas a quem se dirigir e com que chances de sucesso? O axioma de Lao-Tzu: “Aqueles que sabem não falam; aqueles que falam não sabem” permanece uma regra tão estritamente aplicada em nosso tempo quanto na época do “Tao-te-king”. Os raros “iniciados” que o Ocidente ainda possui nada têm em comum com aqueles que se pretendem tais, orgulho que é sinal de profunda ignorância. Muitas vezes esquecemos que o verbo “iniciar” significa literalmente, segundo o sentido primeiro dessa expressão, “fazer morrer”. Um “iniciado” não está menos separado do mundo profano do que um morto. Apesar das ilusões em que se complacem muitos infelizes, nem os mortos nem os iniciados falam diretamente a seres situados em um plano diferente do seu. Cabe a nós nos elevarmos até eles, em vez de pedir que desçam até nós.
Mas se tomarmos este termo “iniciado” em sua acepção mais simples, existem iniciações apenas artesanais como outrora atestava a confraria. Ora, um companheiro também dispunha de “senhas”, de “sinais” e de um conjunto simbólico particular cuja uma das expressões era a “gíria de ofício”. A maioria das corporações ainda hoje mantém essa “gíria”. Da mesma forma, pode-se pensar que os alquimistas compuseram uma língua especial, secreta, o que, numa época em que as acusações de heresia acarretavam sérios riscos, era sem dúvida necessário. Mas como os inquisidores não careciam nem de cultura nem de penetração intelectual, essa língua provavelmente deveria seguir regras especiais muito mais complexas do que a maioria dos comentaristas contemporâneos parecem supor.
Quando se ignoram essas regras, não resta outra saída senão voltar ao exame dos textos e o leitor deve se engajar, desprovido do “fio de Ariadne”, em um labirinto onde tudo foi preparado consciente e sistematicamente para lançar o profano em uma inextricável confusão mental.
As razões temporais de prudência não podem, por si sós, justificar um desígnio que parece tão oposto ao objetivo que se propõe alcançar, em geral, o ensino da sabedoria e da ciência.
Por outro lado, foram publicados em épocas em que os perigos de perseguição e processos eram praticamente desprezíveis, tratados de alquimia tão obscuros quanto os que apareceram durante a Idade Média. Pretender que o único medo de atingir interesses poderosos e de provocar a desordem da sociedade e dos costumes conteve os alquimistas, impedindo-os de divulgar o segredo da transmutação dos metais em ouro, representa apenas uma explicação ilusória, pois se a alquimia consistisse apenas na enunciação de uma fórmula comunicável de química ou física, os consideráveis meios de investigação de que dispõem os governos e o poder temporal já teriam, há muito tempo, descoberto essa fórmula. Não há segredo desse tipo que possa resistir às pressões da razão de Estado e é preciso ser ingênuo para imaginar que uma polícia convenientemente organizada deixe circular livremente obras ou indivíduos realmente perigosos para a ordem estabelecida. Se os alquimistas foram relativamente livres para trabalhar e escrever, sem dúvida deve-se atribuir esse fato ao seu caráter aparente de sonhadores inofensivos e à certeza adquirida, após investigações minuciosas, de que seus trabalhos não levavam a nenhum resultado industrialmente utilizável.
De fato, tal certeza deve-se sobretudo à ignorância do verdadeiro objetivo das pesquisas alquímicas, que parece ter pertencido a uma ordem de realidades com as quais a transmutação dos “metais” em “ouro” oferece, essencialmente, uma relação simbólica. Certamente, não queremos afirmar assim que os alquimistas se ocupavam exclusivamente de pesquisas espirituais e religiosas, pois é inegável que as manipulações alquímicas serviam de suportes materiais a uma ascética interior. De certa forma, convém considerar sobretudo a alquimia como uma religião experimental, concreta, cujo fim era a iluminação da consciência, a “libertação do espírito e do corpo”. Um objetivo tão elevado merece toda a nossa atenção, pois o caráter dos meios utilizados pela alquimia para alcançá-lo apresenta uma originalidade notável, no sentido de que em nenhum momento as metamorfoses interiores do observador parecem ter sido concebidas independentemente das mutações do sistema observado. Não só a ascética alquímica proclama a unidade da matéria, mas também testemunha a união da matéria e da consciência, assim como o poder soberano do “espírito liberto”.
Assim, a alquimia pertence mais à história das religiões do que à história das ciências. Além disso, se admitirmos que o objetivo dos alquimistas era a iluminação, explicamos assim facilmente qual foi a verdadeira razão da obscuridade dos textos alquímicos.
De fato, a complexidade do simbolismo alquímico não poderia ter tido como princípio uma separação total entre o iniciado e o profano. Caso contrário, teria sido inútil escrever a menor linha do menor tratado, pois iniciados não podem se propor a iniciar outros iniciados sem algum ridículo. Suporemos, portanto, que esses textos se dirigiam tanto a outros alquimistas, a “iniciáveis” e a profanos.
A essas três categorias de leitores deveriam corresponder pelo menos três sentidos dos textos. Por um lado, graças ao intermédio de uma “chave” comum, o significado técnico exato dos termos era imediatamente compreendido pelos alquimistas iniciados; por outro lado, subsistia uma eventual transmissão que tinha como fim separar o “iniciável” do profano.
Essa divisão, não podendo ocorrer no nível de uma interpretação mais ou menos exata, correspondia a uma alternativa lógica rigorosa: ou os textos eram estudados como estavam e sem atribuir valores arbitrários a termos desconhecidos, ou o leitor, imbuído de preconceitos, considerava esses símbolos como facilmente compreensíveis, aplicava-lhes espontaneamente qualquer interpretação e decifrava a priori esses criptogramas.
No primeiro caso, a coerência racional apresentava sérios problemas; no segundo, a coesão das explicações estabelecia-se sem grandes dificuldades, como em qualquer sistematização preconcebida. Assim, o “iniciante” não compreendia, enquanto o profano, crendo compreender, fechava-se, à medida que interpretava os textos a priori, a qualquer acesso a uma penetração verdadeira. Tal parece ter sido a armadilha sutil que os antigos mestres armaram para aqueles que não abordam suas obras com toda humildade de espírito, o que Nicolas Valois claramente testemunha, ensinando-nos que “a paciência é a escada dos filósofos e a humildade, a porta de seu Jardim”.
Quanto ao “iniciante”, outro destino, aparentemente pouco invejável, o aguardava. No final, ele se encontrava cativo de uma rede de contradições tão avassaladoras que sufocava. Então, ou seu amor pela verdade o levava a perseverar e a continuar girando nas trevas, ou, desiludido, amargurado por esse fracasso, ele abandonava sua busca e se juntava ao profano.
Se, no entanto, ele persistisse, contra toda a esperança, em descobrir a saída do labirinto, se aceitasse o cansaço de percursos vãos, de erros estéreis, a angústia do abandono, sem jamais diminuir sua vontade de desvendar o enigma, nesse estágio, a busca intelectual se transformava em um combate espiritual dramático onde a energia inteira da psique entrava em ação, onde os recursos internos mobilizados pela extrema intensidade da meditação e dos afetos experimentados durante anos de luta, de provas e de esforços, intervinham finalmente de forma cada vez mais opressora até o súbito aparecimento de uma série de iluminações e de um estado particular da consciência: o estado de despertar. Assim, graças às trevas do segredo, o “iniciante” podia vislumbrar a luz do sagrado e receber a “chave” da iniciação verbal. A perturbação do equilíbrio do mecanismo lógico da consciência profana do estado de vigília parece, portanto, constituir o princípio didático da alquimia.
Essa hipótese nos parece ser confirmada tanto pelos testemunhos que muitos alquimistas deram sobre suas experiências interiores quanto pela existência, nas religiões do Extremo Oriente, de um método iniciático análogo ao da alquimia, a saber, o da interpretação chinesa da doutrina da iluminação, o budismo zen. Os notáveis ensaios de Daisetz Teitaro Suzuki trouxeram, a esse respeito, informações de excepcional interesse [[Cf. Ensaios sobre o Budismo Zen, 4 vol., Paris, Maisonneuve, 1941, 44, 46.]].
A “abertura” do “satori”, nome dado à iluminação, “olhar intuitivo na natureza das coisas”, também é obtida apenas ao término de uma luta extremamente árdua e de um esgotamento total das contradições lógicas. Mas o “satori” não apresenta um aspecto unicamente intelectual. Ele abrange a totalidade da vida de um ser engajado em uma ardente confrontação com o desconhecido.
O desenvolvimento eminentemente chinês do “zen” conferiu a esses métodos um caráter prático cuja eficácia, no plano psicológico, lembra singularmente a do jiu-jítsu e do judô, no plano físico. Pensamos, aliás, que essas aplicações experimentais foram deduzidas igualmente da metafísica taoísta e, em particular, de considerações relativas ao equilíbrio e ao princípio de menor ação. Essa aproximação é tanto mais significativa quanto a própria alquimia não pode ser estudada apenas a partir dos dados da alquimia grega, mas também referindo-se incessantemente aos da alquimia chinesa, isto é, da alquimia taoísta.
No entanto, entre o budismo zen e a alquimia existem diferenças secundárias consideráveis, pois o “desencadeamento do satori”, que representa o objetivo principal do ensinamento dos mestres do “zen”, constitui no processo iniciático da alquimia apenas uma revolução interior preliminar, uma passagem para uma lógica diferente sobre a qual se edifica uma física do estado de despertar, fundamento experimental da cosmologia tradicional.
Essas considerações gerais orientaram nossas pesquisas há cerca de dez anos. Sem pretender trazer nesta breve obra senão uma contribuição limitada ao estudo da alquimia e sem dissimular que propomos apenas hipóteses, ao menos nos esforçamos para compreender um conjunto complexo de teorias e práticas em vez de julgá-las superficialmente.
Evitamos, tanto quanto pudemos, usar o termo “hermetismo” por razões precisas, cuja principal é que, historicamente, esse nome deve ser reservado à filosofia posterior à escola neoplatônica de Alexandria ou, em um sentido ainda mais restrito, a essa própria escola, na medida em que o “hermetismo alexandrino”, por exemplo, foi objeto de estudos eruditos particulares. Numerosos autores ainda se obstinam em confundir as teorias da alquimia com o neoplatonismo; lembraremos que o fundador da Escola de Alexandria, Amônio Sacas, que viveu durante o século III da era cristã, está separado por um intervalo de cerca de cinco séculos de um alquimista como Li-Chao-Kiun, cujo discurso ao imperador Wu, dos Han Anteriores, atesta claramente que a técnica da crisopeia e a alquimia, como saber autônomo, já eram conhecidas desde o século II antes da era cristã.
“Sacrifique ao forno (tsao)”, declara Li-Chao-Kiun, segundo o historiador Sse-Ma Ts’ien, “e você poderá fazer descer seres transcendentes. Quando os tiver feito descer, o pó de cinábrio poderá ser transmutado em ouro amarelo. Quando o ouro amarelo tiver sido produzido, você poderá fazer utensílios para a bebida e para a comida e, então, sua longevidade será prolongada. Quando sua longevidade for prolongada, você poderá ver os bem-aventurados (t’chenn) da ilha P’ong-laï que está no meio dos mares. Quando os tiver visto e tiver realizado os sacrifícios Fong e Chan, então, você não morrerá.” [[Memórias Históricas de Se-ma T’sien, t. III, p. 465. (Trad. Chavannes), Paris, 1899.]]
Nessas condições, atribuir a formação das teorias alquímicas à influência das ideias neoplatônicas é tão absurdo quanto seria a pretensão de explicar o desenvolvimento da arte românica pela influência da estética de Kant. Na verdade, é provável que, tanto no Extremo Oriente quanto no Ocidente, seja à decadência dos mistérios da alta antiguidade, decadência já sensível por volta do século IV a.C., que se deva atribuir, por um lado, o surgimento do taoismo e da alquimia chinesa, e, por outro, a síntese sacerdotal greco-egípcia, que muito provavelmente ocorreu durante o reinado dos Ptolomeus e cujo um dos efeitos foi a formação do mito de “Hermes Trismegisto”, que não deixa de lembrar, em muitos aspectos, o do lendário “imperador amarelo”, Hoang-Ti. Sem dúvida, o desenvolvimento ulterior do hermetismo alexandrino emprestou a essa síntese muitos de seus princípios, mas nem por isso deixa de representar um conjunto de noções tão diversas e heterogêneas que é extremamente difícil reencontrar nele uma unidade conceitual real.
É por isso que preferimos tentar voltar a fontes menos profundamente corrompidas. Baseamo-nos no estudo do cabirismo e dos mistérios de Samotrácia, pois nos pareceu natural que mistérios de ferreiros e metalurgistas pudessem ter contribuído em parte para uma tradição alquímica posterior que estava ligada, sem dúvida, ao sacerdócio e ao artesanato. Infelizmente, o estado dos trabalhos relativos ao cabirismo está longe de permitir a exposição de dados certos. Nossa hipótese em relação à tríade cabírica não pretende ser nada além de uma possível elucidação de certos aspectos das teorias alquímicas. No entanto, na medida em que esses aspectos parecem justificados por um paralelismo bastante constante entre a alquimia chinesa e a alquimia grega e em que, metafisicamente, os princípios de uma iluminam os da outra, nosso ponto de vista tem alguma chance de ser verossímil.
Entre o ceticismo do “cientista” e a credulidade do “ocultista”, sem dúvida existe a possibilidade de observar, em relação aos problemas postos pelas ciências tradicionais, uma atitude justa que foi, aliás, admiravelmente definida por Francis Bacon em seu tratado sobre “A dignidade e o avanço das ciências”:
“O primeiro desses erros é um certo entusiasmo por esses dois extremos, a antiguidade e a novidade; nisso, essas duas filhas do tempo se parecem bastante com seu pai, pois, assim como o tempo devora seus filhos, as duas irmãs também se devoram reciprocamente, visto que a antiguidade inveja as novas descobertas e a novidade, pouco contente em adicionar o que pôde descobrir, quer ainda excluir e rejeitar tudo o que a precedeu. Certamente, o conselho do profeta é a verdadeira regra a seguir nisto: ‘Parai nas vias antigas, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele’. Tal deve ser a medida de nosso respeito pela antiguidade. É bom parar um pouco nela e demorar-se; mas, depois, é preciso olhar para todos os lados ao redor de si para encontrar o melhor caminho, e, reconhecida essa rota, não se deve demorar no caminho, mas avançar a passos largos. Mas, a bem da verdade, a antiguidade é a juventude do mundo e, propriamente falando, é nosso tempo que é a antiguidade, tendo o mundo envelhecido.”