História para Guénon

(Laurant1975)

A necessidade e a natureza da história decorrem das condições de espaço e tempo próprias aos graus da existência universal onde ela se manifesta. Ela deriva, enquanto ciência (mîmânsâ: ponto de vista particular) da doutrina metafísica e de modo algum pode fundamentá-la. A introdução de O Homem e seu Devir… (HDV), o capítulo I: “Civilização e Progresso” de Oriente e Ocidente (RGOO), e os capítulos I e II de A Crise do Mundo Moderno (CMM) condenaram a erudição e o método histórico como o produto mais puro da mentalidade ocidental desviada. Mais profundamente, a história, ao afirmar sua autonomia e a liberdade do homem numa criação contínua feita por ele, torna-se uma força do Mal, um instrumento de desvio das consciências. Ela não pode ser o lugar onde, segundo Hegel, se manifesta o espírito, pois o olhar que o historiador lança sobre o mundo provoca o desaparecimento do espírito. Tal concepção leva logicamente à missão que Karl Marx lhe atribuiu: “estabelecer, uma vez desaparecido o além da verdade, a verdade do aquém.”

E, no entanto, para Guénon, a história é também um lugar do espírito – mas o saber tradicional lhe confere o olhar reto e “a justa medida” do mundo. Para ele, a semelhança aparente entre as análises e desenvolvimentos do argumento profano e os seus é comparável à do bem verdadeiro e de sua paródia luciferiana.

Uma resenha sobre O Legado Indo-Europeu em Roma de Georges Dumézil marcava claramente as distâncias:
“O Sr. Dumézil partiu de um ponto de vista totalmente profano, mas no curso de suas pesquisas encontrou certos dados tradicionais, dos quais tira deduções interessantes, porém nem sempre inteiramente justificadas…”

Assim como o desenrolar dos eventos movidos pelo pesadume de Tamas, o comentário histórico pode tornar-se uma força consciente de obscurecimento espiritual: há falsificação da história, e essa falsificação constitui um dos aspectos da corrente contra-tradicional. O Mal é o verdadeiro motor da história – essa evidência doutrinal correspondia, como se viu, em Guénon, a uma tendência de caráter e a convicções estabelecidas muito cedo.

Na realidade, o evento histórico profano e seu comentário são apenas dois aspectos da tendência obscura. Nessa descida progressiva do mundo, a contra-iniciação representa, no estado humano, a força consciente do afastamento do princípio – tanto no nível da ação quanto do comentário.