Existência

Guénon

(DRG)

A existência só pode ser atribuída aos seres contingentes, ou seja, aos que possuem, que recebem o seu ser de uma fonte externa a eles, “tomados no seu sentido estritamente etimológico (do latim ex-stare), esta palavra indica o ser dependente em relação a um princípio outro que não ele mesmo, ou por outras palavras, escreve Guénon, aquilo que não tem em si a sua razão suficiente…”. Existência significa, portanto, Manifestação em toda a sua extensão. O que, aliás, e como muito pertinentemente salienta Guénon, mostra o absurdo de uma expressão como a da “Existência de Deus”, pois combina dois termos absolutamente incompatíveis. A Deus sendo atribuído o Ser apenas como um primeiro Princípio, mas sobretudo por uma insuficiência de linguagem para expressar o que não pode ser expresso de forma alguma.

Lembremos que a Existência universal, no que lhe diz respeito, “não é, portanto, outra coisa senão a manifestação integral do Ser, ou para falar mais precisamente, a realização, em modo manifestado, de todas as possibilidades que o Ser compreende e contém na sua própria unidade”. A Unidade que funda a Existência, e que ela recebe do próprio Ser, não impede, porém, a “multiplicidade de modos de Manifestação”, significa simplesmente que a Existência inclui uma multiplicidade de graus dentro de si. Esses graus são as diversas possibilidades de Manifestação, que testemunham a multiplicidade de estados de ser. No entanto, teremos o cuidado de ver que a Existência apenas faz existir um número muito limitado de possibilidades, deixando nas sombras, por assim dizer, todo o que constitui a Possibilidade universal que, por sua vez, inclui tudo o que se relaciona com o manifestado, mas também com o não manifestado.

Por fim, importa estabelecer uma última precisão, ao mostrar que o Ser é claramente distinto da Existência, porque como Princípio, o Ser envolve a Existência, “é metafisicamente mais do que isso […]. A Existência não é portanto idêntica ao Ser, porque este último corresponde a um menor grau de determinação, e, consequentemente, a um maior grau de universalidade.

(RGSC, ch. I, « La multiplicité des états de l’être », ch. XI, « Représentation géométrique des degrés de l’existence », ch. XXIX, « Le Centre et la circonférence ». Les États multiples de l’Être, ch. II, « Possibles et compossibles », ch. IV, « Fondement de la théorie des états multiples ».)

Veja Contingência, Ser, Manifestação, Metafísica, Redenção, Unidade.

Schuon

GTUFS

A existência é uma realidade em alguns aspectos comparável a um organismo vivo; ela não pode ser reduzida impunemente, na consciência do homem e em seus modos de ação, a proporções que violam sua natureza; pulsações do “extra-racional” passam por ela de todos os lados. Ora, a religião e todas as formas de sabedoria supra-racional pertencem a essa ordem extra-racional, cuja presença observamos em toda parte ao nosso redor, a menos que estejamos cegos pelo preconceito do matemático; tentar tratar a existência como uma realidade puramente aritmética e física é falsificá-la em relação a nós mesmos e dentro de nós mesmos e, no fim, é destruí-la. (FSCI, O Caminho)

O próprio fato de nossa existência é uma oração e nos compele à oração, de modo que se poderia dizer: “Eu sou, portanto rezo; sum ergo oro”. A existência é por natureza ambígua e disso decorre que ela nos compele à oração de duas maneiras: primeiro, por sua qualidade de expressão divina, um mistério coagulado e segmentado; e, segundo, por seu aspecto inverso de escravidão e perdição, de modo que devemos pensar em Deus não apenas porque, sendo homens, não podemos deixar de levar em conta a base divina da existência – na medida em que somos fiéis à nossa natureza –, mas também porque somos, da mesma forma, forçados a reconhecer que somos fundamentalmente mais do que a existência e que vivemos como exilados em uma casa em chamas. Por um lado, a existência é uma onda de alegria criativa e todas as criaturas louvam a Deus: existir é louvar a Deus, sejamos cachoeiras, árvores, pássaros ou homens; mas, por outro lado, existir significa não ser Deus e, portanto, estar, em certo sentido, inevitavelmente em oposição a Ele; a existência é algo que nos agarra como uma camisa de Nessus. Alguém que não sabe que a casa está pegando fogo não tem motivo para pedir ajuda, assim como o homem que não sabe que está se afogando não agarra a corda que poderia salvá-lo; mas saber que estamos perecendo significa ou desesperar-se ou rezar. Saber verdadeiramente que não somos nada porque o mundo inteiro não é nada significa lembrar-se do “Que É” e, por meio dessa lembrança, tornar-se livre. Se um homem tem um pesadelo e, enquanto ainda sonha, começa a invocar Deus em busca de ajuda, ele inevitavelmente acorda; isso mostra duas coisas: primeiro, que a inteligência consciente do Absoluto subsiste durante o sono como uma personalidade distinta – nosso espírito permanecendo assim separado de nossos estados de ilusão – e, segundo, que quando um homem invoca Deus, ele acabará despertando também daquele grande sonho que é a vida, o mundo, o ego. Se esse chamado pode romper a barreira dos sonhos comuns, por que não poderia romper também a barreira desse sonho mais vasto e tenaz que é a existência? (FSCI, O Caminho)

Existência / Inteligência: A existência, o ser das coisas, neutraliza e une, enquanto a inteligência discerne e separa. A existência, por sua própria natureza, é uma “saída” (ex-sistere, ex-stare) da Unidade e, portanto, é o plano da separação, enquanto a inteligência, sendo Unidade por sua natureza intrínseca, é o raio que leva de volta ao Princípio. Tanto a existência quanto a inteligência unem e dividem, mas cada uma o faz em uma relação diferente, de modo que a inteligência divide onde a existência une e vice-versa. (LSelf, O Significado da Casta)

Existência / Fenômenos: A existência… diz respeito a todas as coisas — qualitativas ou não, conscientes ou não — pelo simples fato de se destacarem contra o nada, se assim se pode expressar. Os fenômenos “não são Deus nem outra coisa que Ele”: eles não possuem nada por si mesmos, nem existência nem atributos positivos; são qualidades divinas “corroídas” de maneira ilusória pelo nada – ele próprio inexistente – em razão da infinitude da Possibilidade universal. (FSCI, O Caminho)