GTUFS
Deveria ser possível restaurar à palavra “filosofia” seu significado original: filosofia – o “amor à sabedoria” – é a ciência de todos os princípios fundamentais; essa ciência opera com a intuição, que “percebe”, e não apenas com a razão, que “conclui”. Subjetivamente falando, a essência da filosofia é a certeza; para os modernos, ao contrário, a essência da filosofia é a dúvida: a filosofia deve raciocinar sem qualquer premissa (voraussetzungloses Denken), como se essa condição não fosse ela própria uma ideia preconcebida; esta é a contradição clássica de todo relativismo. Tudo é duvidado, exceto a dúvida. (FSTH, Pensamento: Luz e Perversão)
Levando em conta o fato de que, de acordo com uma terminologia universalmente reconhecida – com razão ou sem razão –, a palavra “filosofia” designa tudo o que pertence extrínsecamente ao pensamento, diríamos que existe uma filosofia segundo o “espírito”, que se baseia na pura inteleção – possivelmente atualizada por um texto sagrado específico – e uma filosofia segundo a “carne”, fundada no raciocínio individual na ausência de dados suficientes e de qualquer intuição sobrenatural; sendo a primeira a philosophia perennis e a segunda, o antigo protagornismo, bem como o pensamento racionalista dos modernos. (FSTH, Sobre o princípio do sacrifício)
Segundo Pitágoras, a sabedoria é a priori o conhecimento do mundo estelar e de tudo o que está acima de nós; sophia é a sabedoria dos deuses e philosophia a dos homens. Para Heráclito, o filósofo é aquele que se dedica ao conhecimento da natureza profunda das coisas; enquanto para Platão, a filosofia é o conhecimento do Imutável e das Ideias; e para Aristóteles, é o conhecimento das causas primeiras e princípios, juntamente com as ciências que deles derivam. Além disso, a filosofia implica para todos os antigos a conformidade moral com a sabedoria: só é sábio, sophos, quem vive sabiamente. Neste sentido particular e preciso, a sabedoria de Salomão é filosofia; é viver de acordo com a natureza das coisas, com base na piedade – no “temor de Deus” – com vista ao que é essencial e libertador.
Tudo isso mostra que, no mínimo, a palavra “filósofo” em si não tem nada de restritivo e que não se pode legitimamente imputar a ela nenhuma das associações de ideias perturbadoras que ela pode suscitar; o uso aplica essa palavra a todos os pensadores, incluindo metafísicos eminentes – alguns sufistas consideram Platão e outros gregos profetas –, de modo que se gostaria de reservá-la para os sábios e usar simplesmente o termo “racionalistas” para os pensadores profanos. No entanto, é legítimo levar em conta um uso indevido da linguagem que se tornou convencional, pois, sem dúvida, os termos “filosofia” e “filósofo” foram seriamente comprometidos por pensadores antigos e modernos; na verdade, o grave inconveniente desses termos é que eles convencionalmente implicam que a norma para a mente é o raciocínio puro e simples,[[Naturalmente, os mais “avançados” dos modernistas procuram demolir os próprios princípios do raciocínio, mas isso é simplesmente fantasia pro domo, pois o homem está condenado a raciocinar assim que usa a linguagem, a menos que deseje não demonstrar nada. De qualquer forma, não se pode demonstrar a impossibilidade de demonstrar qualquer coisa, se as palavras ainda tiverem algum significado.]] na ausência não apenas da inteleção, mas também de dados objetivos indispensáveis. É certo que não se é ignorante nem racionalista só por ser lógico, mas é-se ambas as coisas se for lógico e nada mais . . .[[Um autor alemão (H. Turck) propôs o termo “misosofista” – “inimigo da sabedoria” – para aqueles pensadores que minam os próprios fundamentos da verdade e da inteligência. Acrescentaremos que a misosofia – sem mencionar alguns precedentes antigos – começa grosso modo com a “crítica” e termina com subjetivismos, relativismos, existencialismos, dinamismos, psicologismos e biologismos de todo tipo. Quanto à expressão antiga “misologia”, ela designa sobretudo o ódio do fideísta pelo uso da razão.) (FSSVQ, Traçando a noção de filosofia)]]
… Em suma, o termo “filósofo” na linguagem corrente não significa nada mais do que o fato de expor uma doutrina respeitando as leis da lógica, que são as da linguagem e as do senso comum, sem as quais não seríamos humanos; praticar filosofia é, antes de tudo, pensar, quaisquer que sejam as razões que, com razão ou sem razão, nos incitem a fazê-lo. Mas é também, mais especialmente e segundo o melhor dos gregos, expressar por meio da razão as certezas “vistas” ou “vividas” pelo Intelecto imanente, como observamos acima; agora, a explicação assume necessariamente o caráter que lhe é imposto pelas leis do pensamento e da linguagem.