Heresia

Schuon

GTUFS

É mais uma vez apropriado (…) definir a diferença entre uma heresia que é extrínseca, portanto relativa a uma determinada ortodoxia, e outra que é intrínseca, portanto falsa em si mesma, bem como em relação a toda ortodoxia ou à Verdade como tal. Para simplificar a questão, podemos limitar-nos a observar que o primeiro tipo de heresia manifesta um arquétipo espiritual – de maneira limitada, sem dúvida, mas não menos eficaz – enquanto o segundo é meramente obra humana e, consequentemente, baseado exclusivamente em suas próprias produções;[[Como o mormonismo, o bahaísmo, o ahmadismo de Kadyan e todas as “novas religiões” e outras pseudo-espiritualidades que proliferam no mundo atual.]] e isso decide toda a questão. Afirmar que um espírita “piedoso” tem a salvação assegurada não faz sentido, pois nas heresias totais não há nenhum elemento que possa garantir a bem-aventurança póstuma, mesmo que – independentemente de qualquer questão de crença – um homem possa sempre ser salvo por razões que nos escapam; mas ele certamente não é salvo pela sua heresia. (FSCIVOE, A Questão do Evangelismo)

Rigorosamente falando, todo exoterismo religioso é uma heresia extrínseca, evidentemente em relação às outras religiões, mas também, e sobretudo, em relação à sophia perennis; essa sabedoria perene, precisamente, constitui o esoterismo quando se combina com um simbolismo religioso. Uma heresia extrínseca é uma verdade parcial ou relativa – em sua articulação formal – que se apresenta como total ou absoluta, seja em questão de religiões ou, dentro delas, de denominações; mas o ponto de partida é sempre uma verdade, portanto também um arquétipo espiritual. Completamente diferente é o caso de uma heresia intrínseca: seu ponto de partida é, ou um erro objetivo, ou uma ilusão subjetiva; no primeiro caso, a heresia reside mais na doutrina e, no segundo, é a priori na pretensão do falso profeta; mas, escusado será dizer que ambos os tipos podem combinar-se, e até mesmo fazê-lo necessariamente no segundo caso. Embora não haja erro possível sem uma partícula de verdade, a heresia intrínseca não pode ter qualquer valor doutrinário ou metodológico, e não se pode invocar em seu favor nenhuma circunstância atenuante, precisamente porque não projeta nenhum modelo celestial. (FSCIVOE, A Questão do Evangelicalismo)

Heresia / Sabedoria: A heresia é uma forma separada da sua substância, daí a sua ilegitimidade, enquanto a sabedoria, pelo contrário, é a substância considerada independentemente das formas, daí a sua universalidade e natureza imprescritível. (FSFSR, Forma e Substância nas Religiões)

Parry

TTW

“Heresia” vem do grego ἁἰρεσις — escolher por si mesmo (em oposição a seguir a doutrina aceita); essa possibilidade tem sua origem no dualismo — representado pela árvore do conhecimento do bem e do mal (em oposição ao conhecimento unitivo da árvore da vida — Gênesis II. 9), que dá à alma a ilusão da separatividade, gerando a tendência ao individualismo e à rebelião contra Deus. “O ‘instinto’ infalível dos animais é um ‘intelecto’ inferior; o intelecto do homem pode ser chamado de ‘instinto’ superior. Em algum lugar entre o instinto e o intelecto situa-se a razão, que deve suas misérias ao fato de constituir uma espécie de duplicação ‘luciferiana’ da Inteligência Divina, a única inteligência que existe” (Schuon: Perspectives spirituelles, p. 181).


“A palavra ‘heresia’ significa escolha, ter opiniões próprias e pensar o que gostamos de pensar” (Coomaraswamy: Am I My Brother’s Keeper?, p. 42). Mas ”tal como os homens [272] são, assim parecerá ser o próprio Deus (John Smith, o platônico: Select Discourses, p. 8).146 E os Upanishads advertem que “Quem quer que tenha tal doutrina, seja ele deus ou demônio, perecerá” (Chandogya Upanishad, VIII. viii. 4). A realidade espiritual é diferente do que a mente humana pode conceber. Pois “não foi Deus quem tornou louca a sabedoria deste mundo?” (I. Cor. I. 20). Onde somos lógicos, a Verdade é “ilógica”;147 onde somos retos, a Verdade é torta; somos virtuosos onde Ela é devassa, e impuros onde Ela é virgem. O que é mesquinho para nós é precioso para Deus; onde somos sóbrios, Seus santos estão embriagados, estamos ocupados onde eles estão ociosos e descuidados onde eles estão recolhidos. Fazer o que queremos em nossa prática espiritual é promover a perpetuação de nossa distração, nosso sofrimento, nossa loucura e nossa cegueira espiritual. O ego é um monstro com cabeça de hidra que brota duas cabeças para cada uma que é cortada, e somente o ritual pode cauterizar a ferida e impedir que cresçam novas, ao mesmo tempo em que nutre a alma com o alimento legítimo próprio para sua formação espiritual. O ritual é o caminho de Deus, em oposição ao caminho do homem. É um remédio, o antídoto para o autoengano, um corretivo, um restaurador, um bálsamo curativo, um poder fora de nossas próprias limitações, delegado por Deus através de Seus eleitos na Terra para o bem-estar espiritual da humanidade e, por extensão, de toda a criação. Seu uso difere de acordo com cada revelação, cada época e sociedade, mas seu fim é sempre o mesmo, ou seja, um suporte capaz de nos colocar em contato com o Centro Divino, fonte de toda a Realidade. Até os tempos modernos, dificilmente se poderia questionar qual ritual e qual método espiritual seguir. Normalmente, a pessoa aderiu ao rito em que nasceu e se submeteu ao método proposto por seus superiores espirituais. No mundo moderno, ao contrário, nasce-se mais frequentemente na profanidade do que em qualquer rito sério e, se a questão de um caminho espiritual se coloca, como pode o indivíduo, na sua ignorância, saber para que lado se virar? Uma resposta a este dilema pode ser procurada através da oração pessoal, o único rito que está constantemente ao alcance de todos e que serve para estabelecer e manter uma relação entre o indivíduo e o Criador.