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A crítica vigorosa de Guénon ao mundo moderno deu-lhe a oportunidade de destacar as armadilhas ilusórias das ciências contemporâneas e a sua total incapacidade de compreender o significado autêntico da realidade. Da mesma forma, ele rejeita esta falsa concepção de uma vida esvaziada de todos os seus vínculos com o sagrado e o transcendente, que prende os seres a uma verdadeira ruptura, uma vida gregária cegante em relação aos domínios superiores, que ele chama de “a Ilusão da vida comum”. Contudo, é oportuno examinar o significado próprio de ilusão, em toda a sua extensão, para compreender o que realmente é essa noção no pensamento de Guénon.
Uma primeira observação sobre este assunto poderia ser feita graças a um esclarecimento introduzido no seu estudo sobre “O simbolismo do teatro” onde Guénon nos diz que o teatro como símbolo da Manifestação, “expressa tão perfeitamente quanto possível o seu caráter ilusório”. Ele também especifica que o ilusório não deve ser confundido com o irreal; na verdade, o caráter da irrealidade não é a mesma coisa que a Ilusão, e depende de outra determinação no nível metafísico. Em qualquer caso, este elemento de comparação em relação à Manifestação permite uma boa abordagem ao significado profundo da Ilusão (Maya), e ao seu imenso poder cósmico. Com efeito, explica René Guénon, “o que é verdadeiramente ilusório é o ponto de vista que faz com que a Manifestação seja considerada externa ao Princípio”; e é neste sentido que a ilusão é também “ignorância” (avidya), ou seja, precisamente o oposto ou o inverso da “Sabedoria”. Temos demasiada tendência nesta questão, e Guénon tem razão em enfatizá-la, para considerar erradamente a Ilusão como uma simples “irrealidade”, ou seja, ver as coisas que chamamos de ilusórias como puro e simples nada. Agora, a Ilusão, o poder de Maya, é um poder interno ao Princípio. Maya escreve Guénon, “é o poder materno (Shakti) pelo qual a Mente divina atua; ainda mais precisamente é Kriya-Shakti, isto é, “a Atividade divina” que é Ichchha-Shakti. Como tal, é inerente ao próprio Brahma ou ao Princípio supremo. Isto é tão verdadeiro que a comparação da inerência íntima de Mâyâ com o Princípio leva Guénon a afirmar: “Como tal, ela é a mãe do Avatara ela é antes de tudo, no que diz respeito à sua geração eterna, como Shakti do Princípio, que também é um com o próprio Princípio do qual ela é apenas o aspecto “maternal”; e é assim também, quanto ao seu nascimento no mundo manifestado…” Não poderíamos ser mais precisos e claros em relação a esta questão.
Maya ou Ilusão, é metafisicamente a própria “Ação Divina”, cujo tecido é constituído a Manifestação; intimamente ligado ao Princípio, é dele constitutivo – não um nada, uma irrealidade. É a implantação da ação divina dentro do mundo manifestado, o jogo eterno do Absoluto.
(RQST, ch. X, « L’illusion des statistiques », ch. XV, « L’illusion de la vie ordinaire ». RGAI, ch. XXVIII, « Le symbolisme du théâtre ». HDV, ch. X, « Unité et identité essentielles du Soi dans tous les états de l’être ». RGEH, ch. « Maya ».)
Veja Contingência, Libertação, Ignorância, Laulika, Manifestação, Maha-Moha, Maya, Psíquico, Shakti.