Guénon
DRG
Grandes Mistérios. Pequenos Mistérios. Quanto ao Mistério considerado em si mesmo, diz-se que é idêntico à coroa suprema da árvore Sephirótica (Kether), comparável ao puro e evasivo éter (Avir). “Ele é”, escreve René Guénon, “a Causa de todas as causas e a origem de todas as origens. É neste mistério, a Origem invisível de todas as coisas, que nasce o “Ponto Oculto” de onde tudo procede”. Incompreensível, indescritível, sem começo e sem fim, o Mistério reside em seu palácio sagrado como invisível aos olhos dos homens, é o Mistério do Palácio Interior, Aquele cujo Nome Eterno habita a Arca de sua Presença. Por outro lado, a distinção do “Mistério” em duas ordens, tal como formulada inicialmente na antiguidade pelos gregos, isto é, a ordem dos “Grandes Mistérios” e a ordem dos “Pequenos Mistérios”, na realidade corresponde a duas formas precisas de conhecimento. A ordem dos Grandes Mistérios diz respeito a um conhecimento superior de natureza metafísica, enquanto os Mistérios Menores dizem respeito a um conhecimento de ordem física ligado ao desenvolvimento das possibilidades específicas do estado humano, “estas de fato compreendem essencialmente o conhecimento da natureza, e aquelas o conhecimento do que está para além da natureza”. Guénon acrescenta sobre este ponto, que “esta mesma distinção correspondia precisamente à da “iniciação sacerdotal” e da “iniciação real”, ou seja, o conhecimento que se ensinava nas duas espécies de mistérios era aquele que se considerava necessário para o exercício das respectivas funções de Brâhmans e Kshatriyas, ou do que era equivalente a estas duas castas nas instituições dos vários povos”. Como vemos, esta diferenciação do Conhecimento obedece também a uma finalidade específica de funções, tendo os “Pequenos Mistérios” como objetivo o restabelecimento do indivíduo no “estado primordial” enquanto os “Grandes Mistérios” “dizem propriamente respeito à realização de estados supra-humanos: levar o ser ao ponto onde os “Pequenos Mistérios” o deixaram […], diz-nos Guénon, conduzem-no para além deste domínio, e através dos estados supra-individuais, mas ainda condicionados, até ao estado incondicionado que por si só é o verdadeiro objetivo, e que é designado como a “Libertação final ou como a “Identidade Suprema”. Note-se, a este respeito, que o deus Janus, deus dos Collegia fabrorum, que era entre os romanos o deus por excelência da iniciação nos “Mistérios”, possuía como atributos duas chaves uma de ouro e outra de prata, como aliás o faz hoje o papado nos seus braços, representando respectivamente o poder sacerdotal e o poder real, ou seja, a complementaridade das duas ordens de conhecimento unidas numa única função.
Além disso, Guénon considera que três significados particulares podem ser aplicados à palavra Mistério em si, três significados que iluminam e enriquecem particularmente a nossa compreensão deste termo:
1) – o Mistério que corresponde àquilo sobre o qual se deve calar, aquilo sobre o qual não se deve dizer nada, porque é através do Mistério que os profanos têm o seu acesso proibido ao sagrado.
2) – O Mistério, superior ao primeiro, aplicando-se “ao que se deve receber em silêncio, ao que não se deve discutir”. É o caso de todas as doutrinas tradicionais e, claro, dos dogmas religiosos em particular, áreas onde domina uma influência “não-humana” por intermédio de “verdades que, pela sua natureza essencialmente supra-individual e supra-racional, estão acima de toda discussão”.
3) – Por fim, terceiro e último significado, o mais elevado dos três, o Mistério como inexprimível, “Mistério que só se pode contemplar em silêncio” e sobre o qual é impossível dizer ou formular uma palavra, o Mistério incomunicável por definição.
(AEPT, cap. II, “Funções do sacerdócio e da realeza”, cap. V, “Dependência da realeza do sacerdócio”. RGSC, cap. IV, “As direções do espaço”. RGAI, cap. XVII, “Mitos, Mistérios e Símbolos”, cap. XXXIX, “Grandes Mistérios e Pequenos Mistérios”. IRE, cap. XVIII, “Os três caminhos e as formas iniciáticas”, cap. XXV, “Sobre os graus iniciáticos”, cap. II, “Cristianismo e iniciação”, cap. Compagnonnage, vol. II, “Palavras perdidas e palavras substituídas”.)
Veja Chaves, Conhecimento, Imperador, Iniciação, Janus, Papa, Silêncio.
Schuon
GTUFS
O mistério é a essência da verdade que não pode ser adequadamente transmitida através da linguagem – o veículo do pensamento discursivo –, mas que pode ser repentinamente esclarecida num flash iluminador através de um símbolo, como uma palavra-chave, um som místico ou uma imagem cuja ação sugestiva pode ser dificilmente compreensível. (FSTB, Tesouros do Budismo) O mistério é, por assim dizer, a infinitude interior da certeza, sendo que esta última nunca poderia esgotar a primeira. (FSCI, Islam)
Por “mistério” não entendemos algo incompreensível em princípio – a menos que seja no nível puramente racional –, mas algo que se abre para o Infinito, ou que é concebido nesse sentido, de modo que a inteligibilidade se torna ilimitada e humanamente inesgotável. Um mistério é sempre “algo de Deus”. (FSSG, Mistérios de Cristo e da Virgem)