Sophia Perennis

GTUFS

A Sophia Perennis é conhecer a Verdade total e, consequentemente, querer o Bem e amar a Beleza; e isto em conformidade com esta Verdade, portanto, com plena consciência das razões para fazê-lo. A Sophia doutrinária trata, por um lado, do Princípio Divino e, por outro, de sua Manifestação universal: daí Deus, o mundo e a alma, distinguindo dentro da Manifestação entre o macrocosmo e o microcosmo; isso implica que Deus compreende em Si mesmo – pelo menos extrinsecamente – graus e modos, ou seja, que Ele tende a limitar-Se em vista de Sua Manifestação. Aí reside todo o mistério da Maya Divina.

Conhecer a Verdade, querer o Bem, amar a Beleza. Acabamos de caracterizar o elemento Verdade; quanto ao Bem, ele é a priori o Princípio supremo como quintessência e causa de todo bem possível; e é a posteriori, por um lado, aquilo que no Universo manifesta o Princípio e, por outro, aquilo que conduz de volta ao Princípio; em uma palavra, o Bem é antes de tudo o próprio Deus, depois a “projeção” de Deus na existência e, finalmente, a “reintegração” do existido em Deus. Especifiquemos que, para o homem, os três bens supremos são: em primeiro lugar, a religião; em segundo lugar, a piedade; e, em terceiro lugar, a salvação, tomando esses termos em sentido quase absoluto e fora de qualquer especificação restritiva. Quanto aos bens que não entram nessas três categorias, eles participam delas de maneira direta ou indireta, pois todo bem tem o valor de um símbolo e, portanto, de uma chave.

Quanto à Beleza, ela provém da Infinitude, que coincide com a Bem-aventurança divina; vista sob essa ótica, Deus é Beleza, Amor, Bondade e Paz, e Ele penetra todo o Universo com essas qualidades. A Beleza, no Universo, é aquilo que revela a Infinitude divina: toda beleza criada nos comunica algo infinito, beatífico, libertador. O Amor, que responde à Beleza, é o desejo de união, ou é a própria união; segundo Ibn Arabi, o caminho para Deus é o Amor, porque Deus é Beleza.

A bondade, por sua vez, é a radiação generosa da beleza: é para a beleza o que o calor é para a luz. Sendo beleza, Deus é, portanto, bondade ou misericórdia: poderíamos também dizer que, na beleza, Deus nos empresta algo do paraíso; o belo é o mensageiro, não só da infinitude e da harmonia, mas também, como o arco-íris, da reconciliação e do perdão. De um ponto de vista totalmente diferente, a Bondade e a Beleza são os aspectos “interno” e “externo” da Bem-aventurança, enquanto que, do ponto de vista da nossa distinção anterior, a Beleza é intrínseca na medida em que pertence à Essência, enquanto que a Bondade é extrínseca na medida em que se exerce em relação aos acidentes, ou seja, em relação às criaturas.

Nesta dimensão, o Rigor, que provém do Absoluto, não poderia estar ausente: intrinsecamente, é a pureza adamantina do divino e do sagrado; extrínsecamente, é a limitação do perdão, devido à falta de receptividade das criaturas dadas. O mundo é tecido por duas dimensões principais, o rigor matemático e a suavidade musical; ambas estão unidas numa homogeneidade superior que pertence à própria insondabilidade da Divindade. Em tais verdades ou mistérios, as perspectivas exotérica e esotérica – religiões e sabedorias – participam de acordo com suas capacidades e vocações: o esoterismo, considerando estritamente a natureza das coisas, e o exoterismo, filtrando-a e adaptando-a às oportunidades humanas, enquanto transmite por trás desse véu os tesouros da única e unânime Sophia. No íntimo de certos homens reside sempre, intacto, o homem como tal; e, consequentemente, também o conhecimento pleno de Deus.

O que define o homem é aquilo de que só ele é capaz: a saber, a inteligência total – dotada de objetividade e transcendência –, o livre arbítrio e o caráter generoso; ou, muito simplesmente, a objetividade, daí a adequação da vontade e do sentimento, bem como da inteligência. A Sophia Perennis é, basicamente, a objetividade liberta de todos os grilhões: é a capacidade de “perceber” o que é, a ponto de poder “ser” o que é; é a capacidade de se conformar ao Ser necessário – não apenas possível.

O animal não pode sair do seu estado, enquanto o homem pode; estritamente falando, só aquele que é plenamente homem pode sair do sistema fechado da individualidade, através da participação no Eu único e universal. Aí reside o mistério da vocação humana: o que o homem “pode”, ele “deve”; neste plano, poder é ter que fazer, dado que a capacidade pertence a uma substância positiva. Ou, o que equivale fundamentalmente à mesma coisa: saber é ser; saber Aquilo que é, e Aquilo que só é. [FSRCH, Pilares da Sabedoria] A rigor, existe apenas uma única filosofia, a Sophia Perennis; ela é também – considerada em sua integralidade – a única religião. Sophia tem duas origens possíveis, uma atemporal e outra temporal: a primeira é “vertical” e descontínua, e a segunda, “horizontal” e contínua; em outras palavras, a primeira é como a chuva que a qualquer momento pode descer do céu; a segunda é como um riacho que flui de uma fonte. Ambos os modos se encontram e se combinam: a Revelação metafísica atualiza a faculdade intelectiva e, uma vez despertada, esta dá origem à inteleção espontânea e independente. [TM, Pensamento: Luz e Perversão]

Considerando tudo, apenas a sophia perennis pode ser considerada um bem total sem reservas; o exoterismo, com suas limitações evidentes, sempre compreende um aspecto de “mal menor” devido às suas concessões inevitáveis à natureza humana coletiva e, portanto, às possibilidades intelectuais, morais e espirituais de uma média que, por definição, é “caída”; “Só Deus é bom”, disse Cristo. Do ponto de vista operacional, ainda mais do que do ponto de vista especulativo, o exoterismo coloca a inteligência pura entre parênteses, por assim dizer: substitui-a pela crença e pelos raciocínios ligados à crença, o que significa que coloca a ênfase na vontade e no sentimento. Ele deve fazer isso, dada a sua missão e razão de ser; mas essa limitação é, no entanto, uma faca de dois gumes, cujas consequências não são tão puramente positivas como o preconceito religioso gostaria que fossem. É verdade que a ambiguidade do exoterismo não é alheia aos desígnios da Providência. [FSAC, Inteligência e Caráter]

Pode-se perguntar se a sophia perennis é um “humanismo”; a resposta seria, em princípio, “sim”, mas, na verdade, deve ser “não”, pois o humanismo, no sentido convencional do termo, exalta de fato o homem decaído e não o homem como tal. O humanismo dos modernos é praticamente um utilitarismo voltado para o homem fragmentado; é a vontade de tornar-se o mais útil possível para uma humanidade o mais inútil possível. [FSAC, Prefácio]