André Allard l’Olivier — A ILUMINAÇÃO DO CORAÇÃO (AOIC)
Deus é Ato puro. O Ato de um ser é a perfeição desse ser. Sendo Ato puro, Deus é o Ser perfeito e infinito. Um ser é tanto mais perfeito quanto mais está em ato ou, em outras palavras, quanto mais existe. Diremos que Deus é o Existente infinito? Preferimos dizer que Deus é o Existir infinito. Mas essa maneira de expressar exige alguns esclarecimentos. Para uma coisa criada, existir significa “ter o ser”. Distingue-se, de fato, o que a coisa é (sua essência, em sentido amplo, quod est) do existir da coisa (quo est). O que “tem” o Ser não é o Ser e só começa a existir a partir do momento em que o tem, recebendo-o necessariamente de outro. E isso não se aplica a Deus, que não recebe seu Ser de nenhum outro. Para uma coisa criada, existir também significa “surgir de…, sair de…”, como sugere a composição da palavra (ek-sistere). Toda coisa criada, que ek-siste, “siste” a partir de uma origem da qual deriva. Essa derivação implica uma relação de causa e efeito, sendo o ser transmitido da fonte do ser para “aquilo” que não existe em si mesmo, mas existe porque recebe o ser e o exerce, como uma lâmpada que exerce a luz ao receber o fogo. A noção de Deus como Ato puro — e na medida em que se tem de Deus uma noção adequada, mesmo que negativa — repele a ideia de que Ele exista como “tendo o ser” (que Ele receberia de outro) ou como “surgindo de…”, ou seja, como existindo em virtude de um Princípio que O transcenderia e do qual Ele derivaria. Como “tendo o Ser” ou como “derivando do Ser”, Deus não seria o Ser-que-é-o-Ser, o Ser infinito; Ele dependeria de outro que seria, ele sim, o verdadeiro Deus. Nesses dois sentidos, que se aplicam a todo ente (ens, ov), Deus não existe1. Deus não é, de forma alguma, um ente; Ele nem mesmo é o Ser supremo, se “ente”, supremo ou não supremo, significa “ser no qual o que esse ser é (sua essência) [132] é distintamente outro que o existir que esse ser exerce e que ele recebe de outro”. Como entenderemos, então, que Deus existe, se Ele existe? Afirmando que Deus é a Fonte inesgotável de todo existir e que, em Deus, nenhuma distinção pode ser feita entre o Ser divino e o que o Ser divino é. Em Deus, essência e existência constituem uma única e mesma Realidade infinita. Deus é, por essência, o próprio Existir como fonte de toda existência atual ou possível2. Deus é Ipsum esse per suam essentiam: é isso que se quer expressar quando se diz que Deus é Ato puro ou Existir infinito3.
Sem desagradar a Heidegger, que insiste em considerar Deus como um “ente”, um ens. ↩
Como dizem os gregos, Deus é υπαρξις, Existência pura e infinita. ↩
Etienne Gilson, em seu Thomismo (primeira parte, capítulo primeiro), observa que “São Tomás deve ter sentido alguma inquietação quanto à força expressiva do verbo esse quando tinha que tomá-lo em seu sentido existencial pleno. Nota-se, de fato, em muitos textos, o uso constante da fórmula Ipsum esse para enfatizar que se trata, de fato, da existência atual, e não simplesmente do ser.” ↩