Libertação

(DRG)

Aqui nos deparamos com o termo utilizado por René Guénon para designar o objetivo central da “realização” metafísica e iniciática. A Libertação (moksha) pode ser definida como a conquista do “estado absolutamente incondicionado”, a realização da “Identidade Suprema”, ou seja, o fim último que o ser humano só pode alcançar através de sua completa universalização.

O que diferencia a noção de Libertação da ideia de “Salvação”, comum nas tradições religiosas exotéricas, é que as perspectivas religiosas sempre se referem a um destino sobrenatural do ser, concebido quase invariavelmente em termos individuais. Guénon explica que, nessas visões, “os estados alcançados mantêm necessariamente alguma relação com o mundo manifestado, mesmo quando o transcendem, não sendo comparáveis aos estados transcendentais acessíveis apenas pelo Conhecimento metafísico puro”. Essa distinção, acrescenta ele, aplica-se especialmente aos “estados místicos” e, no que diz respeito aos estados pós-morte, a diferença entre “imortalidade” ou “salvação” (no sentido religioso ocidental) e a Libertação é análoga àquela entre realização mística e realização metafísica.

Essa demarcação intransponível permite a Guénon explorar a natureza essencial da Libertação. Enquanto a via mística se fundamenta no amor, a via metafísica é, por definição, um caminho de Conhecimento — um Conhecimento que conduz ao Brahma Supremo (nirguna), o Princípio não qualificado que, em sua Infinitude Total, abarca tanto o Ser (e todas as possibilidades da Manifestação) quanto o Não-Ser (as possibilidades de não-manifestação). Crucialmente, essa Infinitude é o Princípio do Ser e do Não-Ser, mas, como Princípio, está além de ambos.

A Identidade Suprema, ou a união com a “Infinitade Suprema”, representa assim a finalidade da Libertação: a realização do Si Mesmo (Atmâ), que equivale à união com a “Essência Suprema”, alcançada pela plenitude do Conhecimento divino.

É essencial compreender, porém, que a Libertação — que Guénon chama de “a liberação definitiva do ser” — difere radicalmente de todos os estados anteriores, sejam individuais ou supra-individuais, incluindo aqueles pertencentes ao Ser puro, o qual, ainda que transcendente a toda existência formal ou informal, permanece uma limitação. A Libertação supera toda distinção e limitação, mesmo as mais essenciais; além da multiplicidade, está também além da própria Unidade. Nesse estágio, nenhuma definição ou termo pode descrever o que, por natureza, escapa a toda categorização, restando apenas a fórmula negativa: “não-dualidade” (adwaita).

Por fim, Guénon ressalta a impotência de qualquer meio para atingir a Libertação. Embora práticas ou ritos possam preparar o caminho, sua função é meramente acessória. Apenas o Conhecimento é indispensável — não como “instrumento”, mas como identidade: “A Libertação e o Conhecimento total são verdadeiramente uma só e mesma coisa”.

(Referências: HDV, cap. XXI e XXII; RGEME, cap. XVIII; IRE, cap. VIII.)

Ver também: Adwaita, Atmâ, Conhecimento, Mística, Realização, Via.