Frithjof Schuon – Da Unidade Transcendente das Religiões (FSUTR)
X. Ser homem é conhecer (capítulo da primeira edição retirado na revisão)
A raiz da polarização do real em sujeito e objeto encontra-se no Ser; não no puro Absoluto, o Super-Ser, mas na sua primeira autodeterminação. A Mâyâ divina é a “confrontação”, se assim se pode dizer, de Deus como Sujeito ou Consciência e de Deus como Objeto ou Ser; é o conhecimento que Deus tem de si mesmo, da sua perfeição e das suas possibilidades.
Essa polarização principial refrata-se inúmeras vezes no universo, mas fá-lo de maneira desigual – conforme o que exige a Possibilidade manifestante – e, por isso, as subjetividades não são epistemologicamente equivalentes. Mas dizer que o homem é “feito à imagem de Deus” significa precisamente que ele representa uma subjetividade central, não periférica, e, consequentemente, um sujeito que, emanando diretamente do Intelecto divino, participa em princípio do poder deste; o homem pode conhecer tudo o que é real, portanto, cognoscível, sem o que não seria essa divindade terrestre que ele é de fato.
O conhecimento relativo é limitado subjetivamente por um ponto de vista e objetivamente por um aspeto; o homem sendo relativo, o seu conhecimento é relativo na medida em que é humano, e é-o na razão, mas não pelo Intelecto intrínseco; é-o pelo “cérebro”, não pelo “coração” unido ao Absoluto. E é nesse sentido que, segundo um hadîth, “o céu e a terra não ME podem conter (Deus), mas o coração do crente ME contém”; esse coração que desemboca, graças ao prodígio da Imanência, no divino “Si” e na infinitude ao mesmo tempo extintiva e unitiva do cognoscível, portanto, do Real.
Por que – poder-se-ia perguntar – esse desvio pela inteligência humana? Por que Deus, que se conhece em Si mesmo, quer ainda conhecer-Se no homem? Porque, ensina-nos um hadîth, “Eu era um tesouro escondido e quis ser conhecido; assim, criei o mundo.” O que significa que o Absoluto quer ser conhecido a partir do relativo; por quê? Porque isso é uma possibilidade que pertence, como tal, à ilimitação do Possível divino; uma possibilidade, portanto, algo que não pode deixar de ser, e cujo porquê reside no Infinito.