Renúncia – Desapego

(Perry1991)

Como pode ser visto nas passagens introdutórias do capítulo anterior, o sofrimento está inextricavelmente ligado à renúncia, tanto como causa quanto como resultado. No primeiro caso, o homem é vítima do termo final de um processo cosmológico inexorável; no segundo caso, ele se torna ativo em relação ao sofrimento, que desta vez é estritamente relativo e subordinado ao objetivo em vista, ou seja, a libertação da tirania das vicissitudes e desequilíbrios aos quais ele, como indivíduo, está sujeito – consequentemente, libertação do próprio domínio do sofrimento, através da identificação ritual com os estados supraformais, que estão fora do reino da mudança.

Se muito foi escrito sobre o tema da renúncia, não é tanto porque a doutrina seja difícil de compreender, mas porque a prática precisa ser incentivada. “O Senhor, teu Deus, é um Deus ciumento” (Deuteronômio, VI. 15), e não tolerará associados, ídolos ou a adoração de qualquer coisa considerada boa, desejável ou real ao lado Dele, – Ele, que é infinitamente desejável por ser a única Realidade que existe. O essencial na renúncia é lembrar que nada real é perdido; cada retirada do mundo é uma apropriação em um plano superior daquilo do qual se retirou. Na retirada final, não há mais ego, nem mais mundo – apenas o Vazio, o Real. Daí o paradoxo: quanto mais uma pessoa pode dispensar o mundo, menos o mundo pode dispensá-la, – pois o centro pode dispensar a periferia, enquanto uma periferia sem um centro – manifestado ou não manifestado – é uma impossibilidade absoluta. Seguindo o mesmo padrão de analogia: “O desapego é possível sem renúncia, mas a renúncia não tem significado exceto à vista do desapego” (Schuon: Perspectives spirituelles, p. 281).

A ilusão no desejo deve ser superada através do discernimento – a urgência, através da renúncia. Mas deve-se estar desapegado da própria renúncia.